Em janeiro de 2003, Steve Jobs subiu ao palco do Moscone Center em São Francisco para a sua já tradicional keynote na Macworld, e profetizou: 2003 será o ano do notebook. Neste momento, a Apple experimentava um crescimento substancial nas vendas de notebooks. Como o próprio Jobs mostrou na apresentação, enquanto a industria vendia em torno de 20% de notebooks comparado à venda de desktops, a Apple já alcançava os 35%, com expectativa de superar os 50% em breve.
E olha, o homem estava certo! Em 2004, 50% dos computadores vendidos pela Apple foram notebooks. Em 2013, a Apple vendeu 3 vezes mais notebooks que desktops! Essa realidade mudou completamente a partir do sucesso do iPhone e do iPad. Em 2021, 52% da receita da Apple veio do iPhone. Foram vendidos 230 milhões de unidades de iPhone, contra 20 milhões de macs desktops e macbooks (somados!). São outros tempos, infelizmente. Voltemos a 2003.
A Apple ainda seguia à risca a ideia de linha de produtos mostrada por Jobs alguns anos antes, na Macworld de 1998. Uma linha de produtos enxuta, com um desktop e um portátil, para usuários “comuns” e para profissionais. Simples, eficiente, um sucesso!
Seguindo essa filosofia, em 2003 a linha de notebooks da Apple era composta pelo iBook construído em policarbonato branco, mais barato e destinado ao usuário comum, e o Powerbook Titanium, o primo rico feito em titânio destinado aos profissionais. Havia também uma diferença importante nos processadores: o iBook ainda usava o chip powerPC G3 enquanto o Powerbook era muito mais rápido e poderoso com o powerPC G4. O iBook era oferecido em dois tamanhos de tela, 12,1″ e 15,2”, enquanto o Powerbook Titanium vinha apenas no tamanho de 15,2”. Aqui fica claro que havia um buraco nessa linha de produtos. O usuário profissional adoraria uma opção pequena e prática de transportar como o iBook de 12”, mas com o poder de processamento e conectividade do Powerbook de 15″. Então os magos do design de Cupertino, liderados por Jony Ive, entraram em ação para criar o produto que preencheria esse gap. Com um fator de forma compacto que seria celebrado por anos como um dos melhores da Apple, mais leve porém sem perder poder de processamento e conectividade, Jobs anunciou (para a comoção da platéia presente no Moscone Center) o Powerbook G4 de 12” em alumínio. (Vale lembrar que a platéia já estava em êxtase. Minutos antes Jobs havia apresentado o gigante Powerbook G4 de 17”, o primeiro notebook com tela de 17” da história. O irmão menor, de 12”, foi a cereja do bolo naquela keynote).
O Powerbook G4 12” foi um sucesso de vendas e crítica. Para profissionais que precisavam de poder de processamento e ao mesmo tempo alguma praticidade, o pequeno prateado caia como uma luva! Era mais caro que um iBook, mas entregava muito mais poder de processamento a um preço consideravelmente menor que o do gigante Powerbook de 17”. Um sucesso! Recentemente o youtuber (e agora também leaker) Luke Miani fez um vídeo sobre o PB 12” (vamos abreviar Powerbook pra PB ok?), e ele destaca como o PB 12” foi o que o Macbook Air deveria ter sido pra sua geração (e nunca foi, ao menos até a chegada dos M1). Lançado em 2008 como algo intermediário entre o Macbook e o Macbook pro, o Macbook Air era apenas pequeno e leve. Nada mais! Tinha um desempenho sofrível e praticamente nenhuma capacidade de expansão. Um péssimo negócio!
Mas a ideia desse texto não é fazer um review genérico do PB 12”, mas sim apresentar o meu PB 12”. Corria outubro de 2020. Na reclusão forçada pela pandemia eu olhava meu “novo” setup: um iMac 27” 2010 ao lado do guerreiro iMac G5, e pensava: preciso de um notebook. Sejamos honestos, “preciso” nesse caso significa “seria legal ter um notebook vintage”. Comecei procurando algum iBook G3 clamshell, o colorido de 1998 que salvou a Apple da falência. Mas esses estão cada vez mais difíceis de achar no Brasil, e quando se encontra são vendidos a preço de Macbook Air M1. Procurei pelos PB G3 Wallstreet, Lombard ou Pismo (que diabos significa “pismo”?), sempre achei (e continuo achando) esses modelos de PB G3 absolutamente lindos com aquelas curvas sexy e elegantes, mas não achei nada muito interessante. Até que me deparei com o anúncio de um PB G4 12”, na caixa original, com todos os acessórios, sendo vendido pelo seu então único dono. Oportunidade imperdível! Dei aquela choradinha no preço, descontinho aqui e ali, e pimba, comprei-o caríssimo leitor!
Meu PB é o modelo A1104, lançado em janeiro de 2005. Tem um processador de 1,5 GHz, memória expandida ao máximo suportado de 1,25 GB e HD convencional de 60 GB. A carcaça está em bom estado, apesar de alguns amassados (normais para qualquer mac em alumínio) e um encaixe ruim da bateria (já resolvido). A tela está com o brilho um pouco reduzido (algo também normal em um computador dessa idade) e a bateria ainda carregando e segurando alguma carga (alguns minutos).
Sim, eu sei que essas especificações não batem com as informações da caixa, mas o vendedor me deu uma explicação pra isso. Achei meio confusa a história, mas enfim, o que me foi contado é o que se segue. Ele havia comprado originalmente o powerbook descrito na caixa, de 867 MHz, porém, com poucos meses de uso uma tempestade torrou a placa mãe do pobre coitado. Depois de muita conversa, ligações e discussões com a Apple e com o “fornecedor” que o havia vendido o PB, ele conseguiu receber outro PB em substituição ao finado eletrocutado, e acabou recebendo esse modelo mais potente, de 1,5 GHz, sem caixa, discos ou manuais. Apenas o computador e o carregador.
Eu tenho outra teoria, mais plausível. Lembro que na época que fiz a compra, o vendedor tinha 2 PB anunciados no Mercado Livre. É bem possível que o outro PB anunciado fosse um de 867 MHz e que o vendedor tenha trocado as bolas, digo, as caixas, na hora do envio. Mas enfim, isso não é um grande problema. Não acho que o vendedor tenha mentido ou tentado me “enrolar” deliberadamente. Ou a história dele é correta ou foi um erro involuntário na hora do envio. Sem problemas de minha parte. Em resumo, tenho um PB 1.5 GHz com a caixa, discos e manuais de um 867 MHz.
O que interessa é que o bichinho é lindo e tudo funciona perfeitamente. Veio com um detalhe interessante, possui caracteres em japonês no teclado. É um teclado querty, com os caracteres de kanji (ou katakana/hiragana?) impressos nas teclas juntamente com o alfabeto ocidental, em um layout ligeiramente diferente do “EUA-internacional”. Digitar naquilo era extremamente difícil e confuso. Então a primeira providência que tive foi comprar um teclado EUA-internacional padrão, pra poder digitar da maneira que eu estou acostumado e desfrutar da delícia de um teclado antigo. Sim, os teclados encontrados nos iBooks e Powerbooks da linha G4 (e até nos primeiros macbook), são simplesmente maravilhosos! Macios, suaves, com um barulhinho delicioso a cada apertar de tecla!
Outro ponto interessante é a tela. As 12,1” de diagonal combinam maravilhosamente bem com a resolução de 1024 x 768 pixels. “Ainnn, mas não é retina”…retina é meus olho! É um casamento perfeito! Tudo fica agradável aos olhos, confortável para leitura.
O meu plano para esse PB era usá-lo! Aliás, esse é meu plano pra todos (ou quase todos) os macs vintage que tenho. Não gosto de ter esses macs guardados em uma caixa ou prateleira. Não quero ter um museu em casa. Minha idéia é usá-los, sempre que possível. Pensando nisso, o próximo passo para esse PB seria a substituição do HDD convencional, já um adolescente de 17 anos, por um SSD. Para isso há duas barreiras a superar. A primeira é que o PB usa interface IDE de 40 pinos, e pra conectar um disco mais atual é necessário um adaptador. A segunda é que o espaço onde fica o disco é extremamente reduzido (novidade com esse fator de forma né?), e cabe apenas um disco padrão de 2,5”. Ou seja, não há espaço para um disco SATA de 2,5” e um adaptador IDE/SATA. Por isso é preciso usar a criatividade, e a solução que encontrei foi usar um SSD mSATA com um adaptador para a conexão IDE. Esse adaptador é um pouco menor que um disco de 2,5” e encaixa perfeitamente no espaço disponível no PB.
O próximo passo é definir qual SSD utilizar, e aqui entra um detalhe muito importante. A maioria desses adaptadores não consegue fornecer mais de 1 A de corrente pro SSD. Isso significa que ele não vai funcionar com os discos mSATA mais novos, que demandam 1,5 A ou até mais. Você precisa encontrar um disco mSATA mais antigo, que consuma menos de 1 A. Eu encontrei um na OLX, marca ADATA, que consome apenas 0,45 A, com 24 GB de armazenamento (mais do que suficiente para uma instalação do Tiger e/ou Leopard). Tudo pronto, guia do IFIXIT carregada no eMac, é hora de botar a mão na massa.
O processo de desmontagem desse bichinho não é muito difícil, mas é trabalhoso, bastante trabalhoso. Vá com calma e muita paciência. Eu tive particular dificuldade em soltar as travas do topcase. O bezel plástico cinza em volta do topcase quebra com facilidade.
Registrei o processo todo em vídeo e coloquei no meu canal no YouTube. Se você for se aventurar desmontando o seu vale a pena dar uma conferida. No vídeo não aparece muito do meu sofrimento abrindo o topcase porque essa foi a segunda vez que desmontei esse PB. Então já consegui abrir com um pouco mais de facilidade. Mas a primeira vez foi bem complicado.
Ver que o adaptador IDE/mSATA funcionou e o SSD foi reconhecido pelo sistema traz alívio e paz de espírito! Importante esclarecer que você não deve esperar milagres de um SSD no seu PB. Sim, há um ganho de desempenho, mas não é nada igual a um computador moderno em que você substitui um disco SATA convencional por um SSD SATA. Lembre-se que no PB o SSD ainda estará limitado pela velha (e lenta!) conexão IDE. A ideia de instalar um SSD em um computador antigo como esse é mais do que nada substituir o HDD convencional, que se não falhou ainda irá falhar em breve.
Eu instalei o Mac OS X 10.5 Leopard nele. É a última versão que roda do Mac OS e acho mais “usável” hoje em dia que o Tiger 10.4. E quando digo usável, estou falando sério. Já levei ele ao trabalho (conectado a um monitor de 22″ full HD) e até pra pegar um ar fresco na Serra do Cipó!
Em breve pretendo instalar nele o Sorbet Leopard. O Sorbet é um híbrido entre o 10.5 Leopard e o 10.6 Snow Leopard (a melhor versão do Mac OS X de todos os tempos!), criado por membros da comunidade de entusiastas de macs powerPC. O Sorbet traz algumas implementações do Snow Leopard para o Leopard, melhorando consideravelmente o desempenho e estabilidade, entre outras coisas.
Eu sou completamente apaixonado por esse powerbook. É dos itens da minha coleção que penso em jamais me desfazer. É lindo, elegante, compacto, e o teclado…ai ai ai o teclado (emoji de coraçõezinhos)! Meu próximo passo será conseguir uma bateria para esse PB e levar ele pra passear em algum shopping. Preciso de uma foto com ele em uma praça de alimentação de shopping.
PS 1: (piadinha de tio) – quando levei o PB pro trabalho, uma colega de 20 e poucos anos, que mal tinha saído das fraldas quando esse PB já horrorizava mundo afora, pegou ele na mão e falou: pesadinho né? Eu respondi: sim, é porque é um POWERbook!
PS 2: Esse texto não foi escrito no PB porque acabei de fazer mudança, e ele ainda está guardado na caixa. Mas escrevi a maior parte em um Macbook Pro “early” 2008, que tem um teclado igual ao do PB.
PS: 2003 também foi o ano em que a Apple introduziu o alumínio na sua linha de produtos, criou um novo padrão na indústria de computadores e transformou a própria industria de alumínio nos EUA. Mas isso fica pra outro texto.
Esse PowerBook é incrível! Lembro que na keynote onde foi anunciado a Apple lançou o menor notebook do mundo com o modelo de 12″ e o maior também com o modelo de 17″, não foi? Esse design é atemporal e é muito legal que você desfila com ele por aí, mantendo vivo seu legado. E que teclado hein! Ótimo texto 😄
Não sei se o PB 12″ era o menor do mundo, mas sim era o menor já produzido pela Apple. O de 17″ sim era a maior tela do mercado. Abraço.