O Brasil não pode perder o bonde da nanotecnologia

Imagine um material mais forte que o aço, que conduz calor e eletricidade melhor que o cobre, e que pesa apenas uma fração do que esses metais pesam. Na verdade, são dois materiais, bastante parecidos entre si. Duas formas ligeiramente diferentes em que podemos ordenar átomos de carbono, um dos elementos mais abundantes no universo. Esses materiais são o grafeno e os nanotubos de carbono. No grafeno os átomos de carbono estão organizados na forma de hexágonos conectados lateralmente uns aos outros, como os alvéolos em um favo de mel, e distribuídos em uma estrutura plana como uma folha de papel. Uma folha com espessura de um átomo! Os nanotubos de carbono têm a estrutura de um tubo, como uma folha de grafeno enrolada em torno de si mesma. Um tubo com milésimos de milímetro de comprimento e alguns poucos nanômetros de diâmetro. Um nanômetro é uma bilionésima parte de um metro, ou seja, um metro dividido por um bilhão! Nanotubos de carbono e grafeno são os materiais mais estudados na nanotecnologia, campo da ciência que atua na nanoescala. É nessas dimensões ínfimas que físicos, químicos, engenheiros, biólogos, entre outros profissionais, trabalham para desenvolver dispositivos e tecnologias que já estão revolucionando áreas como óleo e gás, geração e armazenamento de energia, medicina, eletroeletrônica, entre outras. Por exemplo: os televisores de “pontos quânticos” que estão na moda atualmente. São nanopartículas de semicondutores que permitem a formação de imagem com qualidade de cor e contraste inatingíveis por telas LED ou LCD comuns.

Representação do grafeno (esquerda) e nanotubo de carbono (direita). Ambos são formados exclusivamente por átomos de carbono. O grafeno é uma estrutura plana, como uma folha, e o nanotubo tem a geometria de um tubo, como uma folha de grafeno enrolada.

Algo relativamente moderno para os padrões da ciência, a nanotecnologia explodiu no mundo no início do século, com a diminuição nos custos de produção dos nanotubos de carbono e outros nanomateriais (como as nanopartículas de prata, utilizadas como bactericidas desde palmilhas de calçados até equipamentos hospitalares). No Brasil, a nanotecnologia está dando seus primeiros passos fora do ambiente acadêmico dos laboratórios de pesquisa. Surgem iniciativas para a produção de nanomateriais em larga escala e alguns desenvolvimentos começam a chegar ao mercado. Entre essas iniciativas, destaca-se o Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno — CTNano, iniciativa de um grupo de professores da UFMG e que opera em um edifício de 3.000 m2 de área no Parque Tecnológico de Belo Horizonte — BHTec. O CTNano/UFMG é o maior produtor de nanotubos de carbono do Brasil. Atua atendendo a demandas da iniciativa privada, visando a aplicação de nanotecnologia na solução de problemas e no desenvolvimento de novos produtos. Um modelo de parceria público-privada ainda pouco explorado no Brasil, que busca fazer com que o conhecimento gerado nas universidades com anos de investimento do Estado chegue ao mercado, gerando postos de trabalho, riqueza e desenvolvimento ao país. Os pesquisadores que trabalham no CTNano/UFMG são parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Nanomateriais de Carbono (INCT-Nanocarbono), uma rede de pesquisa liderada pela UFMG e que conta com a participação de pesquisadores de outras 25 instituições públicas e empresas privadas, de 9 estados do Brasil. Formado em 2009 com aproximadamente 70 pesquisadores, hoje fazem parte do INCT-Nanocarbono mais de 200 pesquisadores, entre professores e alunos de pós graduação e graduação, que desenvolvem os mais variados estudos envolvendo nanotecnologia. Um patrimônio valioso em recursos humanos, que levou 10 anos para ser formado e que ajudou a colocar o Brasil em posição de destaque no cenário mundial da nanociência.

Como vistos em um microscópio eletrônico. Lâminas de grafeno (esquerda) e nanotubos de carbono (direita).

O grafeno pode ser obtido a partir do grafite mineral. O grafite é formado por camadas de grafeno empilhadas umas sobre as outras. Um pedaço de grafite de 1 mm de espessura tem aproximadamente 3 milhões de camadas de grafeno! Através de reações químicas o grafite pode ser esfoliado, ou seja, essas camadas podem ser separadas umas das outras para a obtenção de grafeno. Dessa forma é possível produzir um material de altíssimo valor agregado, e de grande interesse tecnológico, a partir de um mineral abundante no Brasil. O país é hoje um dos 4 maiores produtores mundiais de grafite, e abriga uma das maiores reservas de grafite do mundo. Portanto, o Brasil está diante de uma oportunidade única, resta saber se irá aproveitá-la.

No CTNano/UFMG, se desenvolvem projetos para aplicação de nanotubos e grafeno em diversas áreas. Com nanotubos de carbono se produzem plásticos reforçados para proteção contra desgaste de máquinas no setor de mineração, tintas condutoras de eletricidade para aplicação em têxteis, laminados de fibras de vidro para pás de geradores eólicos mais resistentes a ventos fortes. O grafeno é aplicado na produção de sensores de gás, em recobrimentos de metais para proteção contra corrosão e em dispositivos para purificação de água. Ainda há projetos aplicando esses nanomateriais na área de energia, para o desenvolvimento de supercapacitores e baterias de alto desempenho. Estes projetos são desenvolvidos em uma atmosfera de mais de 100 pessoas, entre professores, estudantes de mestrado e doutorado, e uma grande quantidade de estudantes de graduação. Jovens ainda em formação, que tem a oportunidade de desenvolver tecnologia de ponta em parceria com grandes empresas de setores importantes para o desenvolvimento do país.

Redes de pesquisa como o INCT-Nanocarbono e centros de tecnologia como o CTNano/UFMG são fundamentais para qualquer país que queira obter algum nível de independência tecnológica. Em um momento onde os cortes de recursos atingem profundamente as universidades públicas e instituições de fomento como a CAPES e o CNPq, é fundamental que a sociedade entenda a importância e relevância dessas instituições para o desenvolvimento do país. O Brasil perdeu o bonde da microletrônica nos anos 70/80. Ainda estamos em tempo de conseguir um lugar no bonde da nanotecnologia. Perderemos essa oportunidade?

Publicado originalmente no blog “Ciência e Matemática” do jornal O Globo. https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/

Disponível em:https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/o-brasil-nao-pode-perder-o-bonde-da-nanotecnologia.html

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.