Como me tornei um cientista

Um relato pessoal de quando comecei a aprender a pensar.

Em 1994 decidi estudar a noite. Cursaria o 1º ano do ensino médio. A desculpa era que durante o dia iria trabalhar na microempresa do meu pai. Mentira obviamente, no fundo haviam dois fatores que me levavam a essa escolha: eu sabia que o período noturno era mais “relaxado” (fácil mesmo!) e além disso eu queria mostrar alguma rebeldia juvenil contrariando meus pais (que é claro queriam que eu continuasse no período matutino). Estudar a noite era uma delícia. As turmas eram menores, o colégio ficava mais vazio, e com isso tínhamos uma relação mais próxima entre todos, alunos, professores, pessoal da secretaria e a tia da cantina. Um desses relacionamentos mais próximos foi especial, me marcou profundamente e me colocou no caminho da ciência. Pedro Paulo era o nome dele. Não, não é uma história de amor. Deixe-me explicar. Pedro Paulo era nosso professor de história e geografia. Um excelente professor e uma pessoa extremamente agradável, simpático, atencioso. Ele notou rapidamente que eu e mais 3 ou 4 alunos éramos bastante curiosos e interessados nas histórias que contava durante as aulas. Muitas vezes essas histórias enviesavam para assuntos que nada tinham a ver com o tema original da aula. Ele não se importava. Deixava o assunto correr, alimentando nossa curiosidade. Até que, para evitar tomar tempo precioso das aulas, nós começamos a ficar conversando depois do horário da última aula. A última aula acabava as 22h, e nós então ficávamos conversando até as 23h, 0h, ou até o vigia nos mandar sair porque precisava fechar a escola. Eu, esses outros 3 ou 4 colegas, e o professor Pedro Paulo, formamos um grupo que se reunia uma vez por semana ao fim das aulas para conversar. Conversar sobre assuntos diversos. Assuntos que despertavam a curiosidade e o interesse de jovens adolescentes.

Acontece que o professor Pedro Paulo adorava teorias da conspiração, OVNIs, extra-terrestres, triângulo das bermudas, previsões de Nostradamus, a civilização perdida de Atlântida. Esses eram os tópicos de nossa conversa semanal. Aqui vale lembrar um detalhe aos mais jovens: estamos falando de 1994, não havia internet! Ao menos não lá naquela cidadezinha de 50 mil habitantes no extremo sul catarinense. Não havia Wikipédia e Google. As informações se conseguiam em revistas, livros, fotos, jornais. Então toda semana, o Pedro Paulo trazia alguma revista sobre um misterioso vôo que desapareceu no triângulo das bermudas. Outro em que todos os relógios a bordo, da centena de passageiros e tripulantes, ficaram atrasados (ou adiantados?) algumas horas após passar pela região, todos sincronizados. Alguma reportagem de jornal sobre aparições de OVNIs em alguma cidadezinha de interior, da abdução de algum João qualquer. E nós, obviamente, ficávamos fascinados com essas histórias. Convencidos de que os governos de Estados Unidos e Russia sabiam de tudo mas mantinham essas informações em segredo para evitar o caos mundial. Essas conversas, esse grupo, esse professor, moldaram parte da minha personalidade que me levou a estudar ciência. Tres anos depois, já como estudante de física, um dos primeiros livros que peguei emprestado na biblioteca da universidade foi “Projeto Livro Azul” de Brad Steiger. O livro conta como este projeto (que realmente existiu entre os anos 50 e 70) estudou e catalogou a ocorrência de centenas de casos de aparição de OVNIs nos Estados Unidos. Eu continuava fascinado por essas histórias, essas teorias de conspiração. Agora na universidade, com acesso à computador e internet, era mais fácil chegar à elas. Uma rápida busca no “Cadê?” retornava incontáveis sites de design duvidoso com informações de fontes bastante questionáveis. Eu era um ávido consumidor desse tipo de conteúdo. Era como o Sr. Buckley, que Carl Sagan descreve no capítulo 1 de “O Mundo Assombrado pelos Demônios”: curioso, com apetite natural pelas maravilhas do Universo. Queria conhecer a ciência. O problema é que toda a ciência se perdera pelos filtros antes de chegar até ele.

A internet era bem diferente nos anos 90.

Em algum momento, ainda como estudante de física, as coisas começaram a mudar. Meu pensamento passou a ser mais racional. Comecei a aplicar um filtro de ceticismo às informações que recebia. Passei a buscar evidências para as afirmações. A confrontar com experimentos (mesmo que apenas mentais) uma idéia nova que chegava. Passei a me tornar um cientista. Essa mudança não foi de uma hora pra outra, não foi repentina, mas teve um marco inicial que recordo bem. Tudo começou a mudar quando li Contato, também do Sagan. Contato me fez entender que se uma civilização extremamente mais desenvolvida, inteligente e sofisticada que a nossa desenvolvesse uma tecnologia que permitisse viajar pelas imensas distâncias interestelares, possivelmente não teria interesse em fazer contato apenas com algum caipira no interior dos EUA, ou 3 moças de Varginha. Como pode ser que uma civilização extremamente avançada, que desenvolva uma tecnologia que permita viajar pelo universo, acabe em Varginha para fazer contato com tres adolescente em um muro sujo numa noite escura? Algo assim é possível? Sim. Algo assim é provável? Não.

O Caso do ET de Varginha e tudo que o governo ocultou de nós!

Além da leitura de bibliografia correta (no meu caso foi Sagan. Depois de Contato li praticamente todos os livros dele), também houve um outro fator fundamental para a minha “conversão” a cientista. A influencia de outra pessoa. Um amigo, um estudante mais avançado, mais maduro intelectualmente, que teve o mesmo papel que meu professor Pedro Paulo teve em seu momento; me municiar com informação, me questionar, me instigar para o debate. Porém agora removendo os filtros e fazendo a ciência chegar até mim. Foi ele quem me havia emprestado Contato, com a recomendação expressa de: não usar a orelha da capa como marcador de páginas! Esse tipo de interação é fundamental para que ocorra essa quebra de paradigma no pensamento e a universidade é o momento ideal pra isso acontecer. Você é jovem, disposto a aprender coisas novas e está imerso em um ambiente amplo, variado e que favorece esse tipo de interação. Acredito que saber se beneficiar com esse tipo de convivência é um dos pontos mais importantes da vida universitária. Hoje um cientista formado, me pego pensando se já fui essa pessoa à alguém, se já influenciei assim a vida de alguém. Tomara que sim! Caso contrário, ainda tenho tempo.

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