Cotas

Eu entrei na UFSC em 1997. Sim, sou velho, mas esse não é o ponto. Sabem quantos negros havia na minha turma? 0, zero, nenhum! De um total de uns 40 alunos. Esse padrão se repetia em todos os cursos. Medicina, engenharias, farmácia, etc, etc, etc. A UFSC era tomada por estudantes brancos e ricos. Sim, ricos. Os estacionamentos estavam sempre cheios e não por carros de professores, que em pleno governo FHC do final dos anos 90 amargavam anos de defasagem salarial e nada de reajustes. Eram ocupados significativamente por carros de estudantes. Alunos de graduação. Brancos, ricos, que podiam pagar cursinho pré-vestibular eram a imensa maioria da população de estudantes da UFSC. Eu não lembro de ter um amigo negro ao longo da graduação. Não lembro de ter um colega negro no curso de Física! Posso estar sendo traído pela memória, mas lembro de ter conhecido apenas um negro que já estava finalizando a graduação quando eu comecei. Ou seja, não cursamos nenhuma matéria juntos.

Entre professores? Absolutamente nenhum negro ou negra! Nada! E eu atrasei muito minha graduação, reprovei demais, entrei em 1997 e me formei em 2004. Quantos professores negros cruzaram meu caminho nesses vários anos? Nenhum! Na pós-graduação não foi diferente, 2 anos de mestrado e zero colegas negros, zero professores negros.

A implementação das cotas raciais para alunos de graduação e o ENEM acabaram com o reinado dos cursinhos pré-vestibulares, e transformaram a universidade pública. O preto pobre chegou à universidade e isso é um fato inegável, inquestionável. Porém, a baixíssima quantidade de negros entre professores e entre alunos de pós graduação continua. Não é claro que há um problema aí? Por que o negro consegue fazer a graduação mas acaba não continuando os estudos em nível de pós-graduação? É por isso que é fundamental um programa de cotas raciais para pós-graduação, para a distribuição de bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. E é por isso que a portaria assinada pelo agora ex-ministro de educação que revoga as cotas na pós-graduação é de uma baixeza e uma violência repugnantes!

Negros e pardos no Brasil somam mais de 50% da população, segundo dados do IBGE obtidos na PnaD 2018. Porém, nós só vemos esse percentual refletido nos setores da economia de menor valor agregado, onde se pagam os piores salários e onde o nível de estudo/formação é baixo. Ao sentar em um restaurante a maioria das pessoas comendo são brancas enquanto a maioria das que servem as mesas são negras. Meu filho de 3 anos não tem nenhum colega negro em sua sala de aula, mas as faxineiras da escola são negras. Mesmo nas universidades, o pessoal terceirizado encarregado da limpeza dos campi são, em sua imensa maioria, negros. Esse padrão se repete em todo o país. Entre em um shopping qualquer, de qualquer cidade do Brasil e compare a quantidade de negros sentados comendo com a quantidade dos que estão servindo e/ou limpando mesas.

Se voce não se dá conta disso, se voce ainda repete essa asneira de que “não há racismo no Brasil”, há algo de muito errado com você! Pare, pense, olhe ao seu redor, a desigualdade racial está aí batendo na sua cara e voce fingindo que não há nada acontecendo! As cotas (em todos os níveis, graduação, pos-graduação, concursos públicos, etc) são absolutamente necessárias até que mitiguemos essas desproporcionalidades. Até que a gente consiga refletir em todos os níveis socioeconômicos da sociedades esses 50% da população. é uma questão de representatividade.

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