Esquartejando um iMac G5

Sexta-feira, quase meia noite, quarentena. Olho pro meu velho iMac G5 sobre a mesa, que apesar de estar funcionando perfeitamente, vinha mostrando algumas temperaturas excessivas. Possivelmente esse excesso de calor era em função de sua, ainda original, pasta térmica de quase 15 anos. Então pensei, “vai ser divertido, desmontemo-lo!”. Comecei então a jornada de trocar a pasta térmica do processador e do chip de vídeo, de um Mac all-in-one, feito em policarbonato com 15 anos de envelhecimento. Como cientista de materiais eu sabia que isso significava grandes chances de a jornada não terminar bem. Mas como dizem por aí: “a jornada é mais importante que o destino”. Além da pasta térmica dos chips, também me causava preocupação a bateria da PRAM na placa mãe, ainda a original. Essas velhas baterias costumam assassinar placas mãe quando estouram. Então a prudência me dizia pra aproveitar o esquartejamento, investir R$ 2,00 em uma bateria nova e fazer a troca.

O iMac em questão é um G5 2.1 20″ (isight), comercializado entre o final de 2005 e o começo de 2006. O último PowerPC! O próximo modelo de iMac, lançado ainda no começo de 2006, já viria com o processador Intel “core duo”. Comprei esse iMac em 2018, pra ser o primeiro item da minha coleção de Macs velhos clássicos. Coloquei o máximo possível de memória ram, 2,5 GB. Tentei substituir o HDD por um SSD mas não funcionou. O iMac tem uma conexão SATA I e não reconheceu o SSD, que é SATA III, durante o boot (apesar de as especificações do SSD dizerem que ele é retro-compatível com conexões SATA I). Porém, mesmo com um HDD convencional o desempenho desse Mac rodando o Leopard (OS X 10.5) é surpreendentemente decente! O HDD é um bom disco de 250 GB e 7200 rpm, o Leopard é um excelente sistema operacional e casa muito bem com o G5. Tirando o boot, que é compreensivelmente lento, uma vez carregado o sistema operacional o desempenho pra carregar programas é perfeitamente aceitável. O que limita o uso diário desse computador de 2005 em 2020 é o uso da internet. Os browsers disponíveis para o sistema operacional não são mais compatíveis com os padrões atuais das páginas web. A maioria das páginas abre com algum problema. Agora, pra trabalhar com textos e planilhas, ou mesmo se voce precisa rodar algum programa antigo de powerPC, um computador como esse pode ser útil. A tela de 20″ tem uma qualidade excelente mesmo para os dias atuais. E há ainda o Linux. Há distribuições compatíveis com powerPC disponíveis na internet, e que prometem uma sobrevida a este (e outros powerPC) de mais de 15 anos. Dado o contexto e uma razão para iniciar o esquartejamento, vamos ao dito-cujo.

Primeiro passo: https://pt.ifixit.com. O ifixit é uma página sensacional, com guias de reparos de eletrônicos em geral, mas especialmente Macs. Os guias são extremamente detalhados, com passo-a-passo ilustrado por fotos enormes, com aquele zoom maroto que permite até ler os códigos dos componentes na placa.

A primeira parte a sair é a frente da carcaça. Esse modelo de iMac é bem mais complicado de desmontar que os anteriores. No modelo anterior bastava tirar 3 parafusos e a tampa traseira saia expondo todos os componentes. Nesse meu modelo de iMac, a desmontagem é pela frente e é necessário retirar a tela para ter acesso à placa mãe. A tela sai fácil, com 4 parafusos e 3 cabos.

Tela fora, é hora de desparafusar dezenas de parafusos e desconectar vários e vários conectores. O processo fluía bem, e rápido. Seguindo ao pé da letra o guia do Ifixit não parecia que era a primeira vez que eu desmontava um iMac. Nenhum imprevisto, nenhum problema, tudo perfeito, até chegar no último passo. Como dizia um professor meu na faculdade: “o Diabo senta nos detalhes”. A placa já estava solta, e para retira-la da carcaça só faltava desconectar o cabo SATA que faz a conexão com o HDD. Quem disse que esse cabo saía? Fiz força a ponto de achar que iria quebrar a placa e nada. Tentei puxar com uma pinça, com a chave, nada. Depois de bons minutos tentando acabei desistindo e tive que buscar uma alternativa. Removi o HDD, desconectei a ponta do cabo do HDD e deixei a ponta conectada na placa mãe. Com isso a placa estava solta.

Já que eu estava aqui, quis aproveitar e dar uma olhada na fonte também, pra ver se estava tudo em ordem com os capacitares. Quatro parafusos e 2 cabos mais e pronto, fonte desmontada. No fim tudo certo com ela, nenhum capacitor estufado ou ameaçando explodir.

Agora era a hora de remover os heat sinks dos chips. E aí cometi meu grande erro. Esqueci o primeiro passo! Estava tão empolgado com ter chego tão longe na desmontagem que comecei a desmontar os heat sinks sem procurar o guia no ifixit. No fim deu certo, mas sofri mais que o necessário, principalmente pra remonta-los depois. Se tivesse olhado o guia no ifixit teria sido bem mais rápido e fácil. Mas enfim, heat sinks removidos era hora de limpar a velha pasta térmica (álcool isopropílico) e colocar a nova (Arctic MX-4).

Na hora de remontar os heat sinks tive o grande susto de todo o processo. Havia um pequeno trinco num dos cantos do chip do processador. Podia já estar ali e eu não ter visto, mas o mais provável era que eu mesmo tinha feito aquilo ao desmontar de maneira errada os heat sinks. Nesse momento me questionei se valeria à pena todo o processo de remontagem, já que poderia ser em vão e esse processador estar morto! Detalhe, os chips nesse iMac são soldados na placa, não há maneira de troca-los. Se quebrou, só trocando a placa mãe. Depois de uma rápida busca no Google, vi que aparentemente essa parte trincada é apenas um dissipador de calor do chip, e não propriamente o processador.

Pasta térmica trocada, coolers limpos, poeira removida, era hora da remontagem. Mesa preparada, basta ir seguindo o guia do ifixit “ao contrário”, do fim para o início.

Uma vez que a placa mãe estava instalada, com todos os parafusos devidamente apertados, me dei conta que havia esquecido o cabo da antena do bluetooth por trás da placa. Não havia forma de puxa-lo de volta. Tive que mais uma vez remover a placa pra passar o cabo pelo local correto e poder conectar o módulo bluetooth. Apenas um pequeno contra-tempo.

Antes de finalizar a montagem, conecto a tela e ligo o iMac para ver se tudo está funcionando como deveria. E sim, sucesso!

It’s alive!

Foi uma jornada divertida. Valeu à pena. Eu gosto desse tipo de coisa e pra mim é como terapia. Um trabalho que exige atenção, cuidado, precisão. Ler um guia de instruções, saber usar ferramentas. No meu trabalho vejo frequentemente alunos de engenharia que não sabem usar ferramentas. Fico impressionado com isso. Não estou dizendo que todas as pessoas deveriam saber desmontar computadores. Não é isso. Mas esse tipo de atividade te incentiva a solucionar problemas, a contornar obstáculos. Ensina a buscar soluções quando se deparar com inconvenientes inesperados. Isso é algo que incentivo constantemente no meu filho de 3 anos. Ele tem “livre acesso” à minha caixa de ferramentas, arrasta ela pela casa pra “consertar” seus brinquedos. Com pouco mais de 3 anos, ele sabe diferenciar uma chave Philips de uma de fenda. Quando eu era pequeno também fazia isso. Gostava de desmontar as coisas pra ver como eram por dentro. Acho que isso se perdeu nas gerações atuais. Temos uma geração de jovens que são muito talentosos em resolver problemas que cuja solução é linear, ou direta. Pra esse problema, uso essa ferramenta. Done! Mas se o problema sofre uma pequena variação, e é necessário repensar a maneira de encara-lo para encontrar uma solução a coisa se complica, e o jovem habilidoso que já nasceu com a internet se vê em maus lençóis. No que depender de mim, meu filho não será um desses.

3 comentários

  1. Muito bom o texto.

    Eu tinha um notbook da Positivo que era meu laboratório. Perdi as contas de quantas vezes eu o desmontei e remontei.

    O texto ficou muito bom. A fotos foram muito bem colocadas. Eu admiro quem escreve bem e conta boas histórias.

    Parabéns!

    • Obrigado Maurício! Vindo de você (que escreve super bem!) esse é um grande elogio e me deixa muito feliz. Eu aprendi muita coisa de computador, da parte de hardware mesmo, nos tempos de UFSC. Lembro que quando entrei não sabia nada. Naquela época que morei com vocês eu não entendia nada. Lembro de uma vez num dos laboratórios de informática da Física no CFM, nós sentamos na frente de um dos gloriosos IBM Aptiva (acho que já Pentium 100 ou 133) e tu me disse: “vou te mostrar como a galera usa esses PC’s pra putaria e não vou nem entrar na internet pra isso”, e aí abriu o localizador de arquivos do Windows 98 e fez uma busca por: “*.jpg”……megabytes e megabytes de todo o tipo possível de pornografia começaram a surgir na tela! Bons tempos! Abração

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