O tombo

Lembro da sensação de estar caindo. A visão meio embaçada, as coisas passando rápido ao meu redor. Depois disso apenas o impacto e a dor na cabeça, próximo ao olho esquerdo. Meu primeiro pensamento foi “Uau! Que sonho realista! Minha testa está doendo mesmo! Nunca tive um sonho tão real assim!”. Embaixo da mão esquerda, apoiada no chão, sinto meu óculos quebrado. Uma dor imensa na perna direita, logo abaixo do joelho. A cabeça agora latejava. Estou começando a me dar conta que talvez eu não esteja sonhando. Uma voz estranha pergunta se estou bem, se preciso de ajuda. Um cachorro late incomodado. Estou zonzo, me sento no chão e peço um copo d’água. Diante de mim, atirada no chão, está minha bicicleta. Definitivamente não foi um sonho. Estou sentado na calçada, à minha direita uma senhora me estende a mão com a água que pedi. Na esquerda o cara que estava passeando o cachorro agora pergunta se estou melhor. À minha frente a bike, imóvel no chão. Ok, estou retomando consciência, acho que agora sei o que acaba de acontecer.

Havia comprado a bicicleta no dia anterior. Estava fazendo a estréia. Tinha pedalado em torno de 10 km, os últimos 5 forçando um pouquinho, mas nada demais. Bastante calor e baixa umidade. Já estava relativamente próximo de casa quando comecei a me sentir excessivamente cansado. Respirando de maneira meio desesperada, com aquela sensação de abrir a boca o máximo possível e sentir que o ar não vem. Olhei o relógio no pulso e marcava 170 batimentos por minuto. Pensei, “ok atleta, vamos dar uma para pra recuperar o fôlego”. Em nenhum momento passou pela minha cabeça que fosse desmaiar. Apenas me apoiei em um muro, de pé, com a bike apoiada na cintura. O que sim pensei é que fosse vomitar. (Odeio vomitar! Lembro que na adolescência tinha um amigo que sabia. O cara era profissional! Quando passava a euforia de uma bebedeira e chegava aquele embrulho no estômago, ele só dizia “peraí que já volto”. Se afastava um pouco do grupo, metia o dedo na garganta e botava pra fora o que lhe estava incomodando. Um chiclete e pronto, estava feito o serviço! Assim, com rapidez e pragmatismo, estava pronto pra mais alguns litros de cerveja quente e caipira de vinho “Sangue de Boi” (um clássico no sul do país), regados a Skank, Paralamas do Sucesso e talvez um pouco de Raça Negra. Eu nunca aprendi a fazer isso, e sempre invejei a capacidade e habilidade “regurgitativa” desse meu amigo). Voltando ao tombo, foi por isso que não me sentei. Por não imaginar que fosse desmaiar, apagar. Se tivesse me sentado teria minimizado o impacto da queda. Provavelmente não teria dado a pancada que dei na cabeça, ou na perna. 

Que grande fiasco! Primeira pedalada com a bike e estou aqui, desmaiando na rua, sendo socorrido por estranhos. Animador hem? Bom, mas sejamos justos, venho de um longo período de sedentarismo. Acima do peso ideal. Carrego nas veias uma nobre linhagem familiar de hipertensão e problemas cardíacos. Há 3 meses controlando a pressão com medicamentos e tentando fazer o que o médico mandou: atividade física! O problema é que não tenho muitas opções viáveis de atividades físicas. Com 40 anos e uma cirurgia de joelho, não devo fazer nada que tenha impacto. Futebol e tênis não são muito recomendados. Caminhadas leves, até poderia, mas tenho 40 e não 60 anos! Correr, independente dos problemas de joelho, está fora de cogitação. Pra mim não há nada mais chato do que correr! Invejo quem corre e consegue ter prazer correndo. Dizem que é questão de costume, de treino. Que há um ponto onde você supera a dor e o cansaço e que correr passa a ser prazeroso. Parabenizo quem alcançou este ponto. Nunca cheguei a este ponto. Tenho uma preguiça enorme em busca-lo. Então há duas opções: natação e ciclismo. Natação é sensacional! Já pratiquei por um tempo e adorei. Porém, estamos numa maldita pandemia! Dividir piscina e vestiário com estranhos não parece ser um bom plano. Portanto, vamos de bike! Dito isto, antes de me achar patético e rir de meu fiasco ciclístico, reconheça meu esforço. Ao menos estou tentando.

Isto tudo aconteceu já faz duas semanas. A perna ainda dói um pouco, fiz um óculos novo, e a bike está guardada na garagem. Não voltei a pedalar. Por um lado, há uma voz baixinha na minha cabeça que ainda está perguntando: que diabos foi aquilo? E se tivesse arrebentado a cabeça na borda do cordão da calçada? Como tua companheira ia explicar pro teu filho que o pai dele morreu estupidamente, caindo sozinho na rua ao dar uma volta de bicicleta? Se é pra deixar o filho órfão que seja de uma maneira gloriosa! Fazendo algo radical e não gordinho, sedentário, caindo sozinho no meio da rua. Por outro lado, há uma outra voz dizendo: vai continuar gordinho e sedentário? Vai pedalar!   

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