Física, FENASOFT e meu primeiro (e único) iMac G3

Este texto é minha contribuição ao #MARCHintosh deste ano, mas que acabou atrasando e só saindo agora.

Você provavelmente já conhece essa história. Era o início dos anos 90 e a Apple estava virtualmente quebrada. Afundava lentamente com uma linha de produtos confusa e complexa (eram mais de 15 versões ligeiramente diferentes de macs), e perdia market share para os “clones” que ela havia julgado ser uma boa ideia (e não era!). A Apple sangrava dinheiro mensalmente, com resultados negativos milionários mês após mês. Em fevereiro de 1996, a Business Week estampava em sua capa “a queda de um ícone americano”.

A Apple no fundo do poço, em fevereiro de 1996. https://www.bloomberg.com/news/articles/1996-02-04/the-fall-of-an-american-icon?embedded-checkout=true

A virada começou com a volta de Jobs à empresa em 1997, com a redução drástica na linha de produtos para apenas 4 (portátil/desktop para usuários comuns/profissionais) e com o início da relação entre Jobs e Jony Ive, que transformaria não só a Apple mas a industria como um todo pelos próximos anos. O primeiro produto fruto da parceria Jobs-Ive foi o iMac G3. Trazia uma superfície curva em que era impossível encontrar uma linha reta, plástico transparente que permitia ver o interior da máquina, portas USB em lugar de disquete, e cores! Finalmente o computador deixava de ser um retângulo bege. O iMac foi um sucesso instantâneo. Vendeu mais de 800 mil unidades apenas no primeiro ano, e mais de 6 milhões de unidades até ser descontinuado em 2001. É até hoje, o computador mais vendido da história da Apple e um dos mais vendidos da história da computação em geral. Mas este texto não é sobre o declínio da Apple ou seu renascimento com a volta de Jobs. Este texto tem um caráter mais pessoal. É sobre a minha relação com o iMac G3 e como realizei o desejo de ter um, com 25 anos de atraso. Preciso começar a contar esta história voltando a 1999.

Em 1999, enquanto o mundo dançava ao som de Backstreet Boys e Spice Girls e o Brasil discutia fervorosamente teorias da conspiração sobre a final da Copa de 98, eu era um jovem estudante de física na UFSC, ainda iniciante no mundo da “informática” e dos computadores, vivendo intensamente o auge da bolha da internet. Como o curso de física era noturno, durante o dia eu ganhava uma bolsa de auxílio de custo para trabalhar em um laboratório que recebia visitas de estudantes de ensino fundamental e médio de todo o estado de Santa Catarina. Era uma espécie de Museu Catavento (se você ainda não conhece, vá conhecer!) em miniatura. Dentro de uma sala de aula, tínhamos várias experiências para demonstrar aos estudantes alguns princípios básicos de física e química, tudo de uma maneira muito “lúdica” (palavra na moda na época!), sem nenhuma fórmula ou cálculo matemático. O laboratório, ainda incipiente naquele momento, já era um sucesso dentro da UFSC e conhecido por toda a comunidade universitária. Dentre os vários equipamentos e experimentos que tínhamos, a cereja do bolo era o Gerador de Van de Graaff, popularmente conhecido como “máquina de arrepiar cabelos”. O Van de Graaff era um sucesso, o que todos os visitantes queriam ver. Diversão garantida.

Nesta época, acontecia em São Paulo um evento anual gigantesco em todos os sentidos, no tamanho, na quantidade de público, e na quantidade de dinheiro envolvida nos negócios ali fechados. Era a Feira Nacional de Software, Hardware e Serviços de informática, a FENASOFT. Uma monstruosidade que a cada edição atraia milhões de visitantes e gerava quantidades semelhantes de reais em negócios. A FENASOFT começou no Rio de Janeiro em 1987, mas logo se mudou ao Parque de Exposições do Anhembi em São Paulo, e viveu seu auge na década de 90. As universidades públicas brasileiras costumavam participar da FENASOFT. O Ministério de Educação montava um estande na feira, e colocava em exposição alguns trabalhos selecionados de cada universidade federal. Então as universidades ficavam amontoadas no pequeno estande do MEC, com o espaço de uma mesa de escritório cada uma, para expor seus desenvolvimentos em hardware, software e rede. Nessa época, a UFSC tratou de ser a “diferentona” entre as universidades brasileiras na FENASOFT. Aproveitando-se do fato de que Max Gonçalves, o criador/dono da FENASOFT, era um carioca radicado em Florianópolis com laços profundos no governo do Estado e na própria universidade, a UFSC foi durante muito tempo a única universidade a ter um estande próprio e individual na FENASOFT. 

Para a 13a edição da FENASOFT, em 1999, alguém da SEI (Secretaria Extraordinária de Informática), órgão da reitoria que à época organizava a ida da UFSC à FENASOFT, teve a brilhante ideia: “e se a gente levasse aquela máquina de arrepiar cabelo do pessoal da física pra chamar a atenção e atrair público pro nosso estande?”. E foi assim que eu e mais dois colegas da física, em uma noite fria de julho de 1999, entramos em um ônibus com mais trinta e poucos alunos e professores da UFSC rumo a São Paulo para a FENASOFT 99. O Van de Graaff funcionou, foi um sucesso de público e atraiu uma enormidade de gente ao estande da UFSC durante todos os dias da feira.

A palavra que melhor define a FENASOFT nos anos 90 é loucura. Milhares de pessoas caminhando de um lado pro outro, carregando sacolas recheadas de brindes distribuídos de maneira frenética em praticamente todos os estandes. Revistas, folders, panfletos. CDs com demos de jogos (vivíamos o auge da era dos “kit multimídia”), drivers de impressoras, versões shareware de praticamente qualquer software que você imaginar. Ninguém caminhava de mãos vazias e todo mundo levava pra casa uma enorme quantidade de tralhas que talvez nem seriam usadas e provavelmente iriam pro lixo nos dias seguintes. Era uma delícia! Não me pergunte porque mas não consegui encontrar fotos/vídeos da edição de 1999 da FENASOFT. Porém, essa página da saudosa MacMania dedicada à feira de 97 dá uma boa ideia de como era o ambiente no Anhembi durante a FENASOFT.

A edição de 99 ainda teve algumas características especiais. A Microsoft estava lançando o Windows 98 SE e o Office 2000. A Intel colocou modelos vestidas em roupas de lycra prateada, imitando um traje espacial, para promover o recém lançado Pentium III. O UOL promovia o seu Bate Papo Online, e causou alvoroço no dia em que colocou em seu enorme estande, no centro do Anhembi, ninguém menos que a Feiticeira (Joana Prado) para bater papo ao vivo com quem estivesse no chat. A FENASOFT literalmente parou por alguns momentos naquela tarde, quando a notícia se espalhou como pólvora: “a Feiticeira chegou!”. Os participantes da feira (público e expositores), correram para se amontoar em torno do estande do UOL e ver ao vivo a Feiticeira. Houve corre-corre, empurra-empurra, gritaria, puro suco de Brasil dos anos 90!

Feiticeira parando a FENASOFT em 1999.

Foi durante essa FENASOFT que eu tive meu primeiro contato com um Mac. A Apple tinha um estande relativamente simples, sem muita extravagância. Uma bancada grande, onde vários iMacs e PowerMacs G3 estavam expostos e disponíveis para o uso do público. Todos devidamente acompanhados de seus teclados, mouses e monitores Cinema Displays combinando cores. Lembro de explorar aquela interface diferente (Mac OS 8.6) com o mouse estilo “disco de hockey”. Tudo muito diferente do mundo windows 98 que eu estava acostumado. Naquele momento, com um uso esporádico em uma feira, eu não tinha tempo nem experiência para entender como aquele computador colorido era superior a tudo o que havia de parecido no mundo dos PCs. Acho que eu nem me dava conta da existência da polaridade Mac x PC. Ali, o que mais chamava a atenção, era a beleza daquelas formas, daquelas cores. A única coisa que eu conseguia pensar era em, algum dia, ter um daqueles computadores coloridos. Algo que naquele momento estava fora de cogitação, e que só se tornaria realidade quase 10 anos depois quando comprei meu primeiro Mac (um iBook G3 bondi blue).

Estande da Apple na 14a Fenasoft em 2000. O estande da Apple em 1999 era bastante parecido. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/folha/galeria/album/p_fenasoft_2000_05.shtml

Desde então me tornei usuário de macs, e hoje tenho uma pequena coleção de macs antigos. Minha coleção é formada basicamente por macs da era PowerPC e alguns “early Intel”, e todos são cuidados e tratados com o carinho e dedicação que merecem. Colecionar macs no Brasil envolve horas “garimpando” anúncios em sites de venda, ter a ajuda de amigos que indicam oportunidades [as vezes um anúncio passa batido e sempre há um colega colecionador para dizer “olha essa oportunidade pra tua coleção”], e algumas vezes, algumas raras vezes, contar com a sorte. Foi o que aconteceu comigo no começo desse ano, a sorte me sorriu como raríssimas vezes aconteceu desde que comecei a colecionar macs antigos.

Parte da “guangue” reunida para uma foto. Faltam ainda: um iBook e um Powerbook G4 de 12”, um Powerbook G3 “wallstreet”, um MacMini C2D, um Time Capsule de 3a geração, e um PowerMac G5.

Eu estava de férias, na praia, aguardando o horário de irmos jantar em família enquanto corria os dedos pela tela do celular no Facebook. Sim, ainda uso o Facebook, mas quase que exclusivamente para alguns grupos de retrocomputação e de colecionadores, onde de vez em quando aparecem umas boas oportunidades. Enquanto rolava a tela em um desses grupos, apareceu um anuncio que me chamou a atenção instantaneamente: “Vende-se iMac G3”. Era um anuncio novo, criado há poucos minutos. Descrevia o iMac como em excelente estado, na caixa original. O preço era justo. Não pensei duas vezes. Respondi o post imediatamente dizendo “é meu”. Trocamos número de celular e 10 min depois de ele ter criado o anúncio eu já havia garantido a compra. Quando voltei de férias, fiz uma viagem de 3 horas de carro até Belo Horizonte exclusivamente para buscar o iMac. Passei na casa do amigo Pedro (que tem uma coleção de macs simplesmente espetacular que inclui até Apple Newton e eMate 300!) e juntos fomos buscar meu primeiro iMac G3.

De acordo com as fotos que o vendedor havia me enviado, eu já esperava encontrar um iMac em bom estado. Porém, o que nós vimos quando chegamos à casa do vendedor superou, em muito, qualquer expectativa. É difícil descrever a sensação que tivemos quando vimos o iMac sobre a mesa. Simplesmente parecia que estávamos de volta a 1998, olhando um imac recém comprado e retirado da caixa. O plástico ainda tem o brilho de novo. É como se o iMac tivesse sido mantido na caixa pelos últimos 25 anos sem ser exposto à luz! É um iMac novo, com 25 anos de idade!

O modelo é um “revisão A”, primeiríssima versão saída da prancheta de Jony Ive com os auto falantes ainda um pouco retangulares e com a porta de comunicação por infravermelho. O filme plástico que cobre a espécia de base ou “pé” do iMac e que serve para inclinar levemente o computador para trás ainda está lá! Colado naquela base desde 1998!

 

Sim, este é o plástico original de proteção da base articulável do iMac! 25 anos e contando!

O hardware é o padrão do iMac original, um PowerPC 750 (G3) de 233 MHz, 32MB de ram (com upgrade de 64MB), 4GB de HDD. A placa de vídeo desse “revision A” é uma Rage IIc com apenas 2MB de memória, mas que acabaram virando 4MB graças ao upgrade de memória solicitado na hora da compra.

O proprietário original do iMac, tio já falecido da pessoa que fiz a compra, era um fiel usuário da maçã de longa data e sempre foi extremamente cuidadoso com seus macs. Isso fica claro nesse iMac, não só pelo seu estado de conservação mas pelo que encontramos na caixa do teclado e mouse. Tudo, absolutamente tudo o que acompanhava um iMac novo na época está conservado ali, em estado de novo, inclusive a nota fiscal da compra.

Agora vejam esse detalhe especial. Entre o material que estava na caixa do iMac, encontrei um exemplar da Macmania de setembro de 1998, que celebra a chegada do iMac ao Brasil. O iMac G3 foi anunciado por Steve Jobs em maio e começou a ser comercializado nos EUA em agosto de 1998. Em setembro de 1998, nosso amigo “dono original” deste iMac, foi até sua banca de revistas preferidas de Belo Horizonte e comprou a edição especial da Macmania dedicada ao iMac, e que estampava na capa um iMac na mesma cor do que ele compraria poucos meses depois! Era pouco fã o cara?

Um detalhe: esse iMac que a MacMania desmontou pra fazer o artigo era emprestado e era o ÚNICO iMac existente no Brasil naquele momento! Ao menos é o que diz o agradecimento no final do texto.

Era corajoso esse pessoal da MacMania!

A papelada que acompanha esse iMac é vasta e nos lembra um tempo onde a Apple ainda se preocupava com a “experiência” do usuário ao abrir a caixa de um mac pela primeira vez, e os sentimentos que isso despertava. Segue a lista dos itens encontrados dentro do envelope rotulado de “kit Brasil: bem vindo ao iMac; guia rápido de instalação; manual de emergência; guia do usuário; termo de garantia; guia de softwares externos; adesivos.

É interessante que para cada documento desses há duas versões, uma em inglês e uma em português. E uma menção especial precisa ser feita aos adesivos, que são lindos e com frases do auge da campanha “think different”.

É claro que, apesar das condições excelentes desse iMac, um computador de 25 anos precisa de alguns cuidados. Então não perdi tempo e parti para as entranhas do bichinho! Obviamente com muita calma e paciência para evitar qualquer problema com esse plástico de 25 anos.

Como sempre, o primeiro passo é remover a bateria da PRAM! Essas baterias antigas são uma bomba relógio e se explodirem dentro do seu mac muito provavelmente inutilizarão a placa lógica.

Jovem, sempre remova a bateria da PRAM!

Próximo passo foi dar um trato no interior do iMac, que surpreendentemente estava bastante limpo. Claramente esse iMac nunca foi usado em ambientes com muita poeira. Uma pequena limpeza, um thermalpad novo no Motorola PC750 e o iMac está pronto para os próximos 25 anos de vida.

A placa de vídeo ATI Rage IIc não deixa dúvidas que esse iMac é um “revision A”, primeiríssimo modelo de iMac a ser produzido. E como já notamos na nota fiscal, esse veio com um upgrade de 2 MB de memória VRAM, levando-o a um total de 4 MB.

Para completar o hardware, um hdd Quantum Fireball de 4GB e um upgrade de 64 MB de ram, que somados aos 32 MB de fábrica nos levam ao total de 96 MB de ram (muito mais do que suficiente para rodar o Mac OS 8.1)

Falando em software, depois de verificar todo o hardware e confirmar que está tudo funcionando como deveria e fazer um backup dos dados do cdd (para fins de registro e memória), é hora de usar o cd original de instalação (que também veio na caixa do iMac) e instalar uma cópia nova do Mac OS 8.1.

A instalação do Mac OS 8 é bastante rápida e simples. Poucos minutos depois eu estava com um iMac praticamente novo, do jeito que saiu da fábrica em 1998.

Um detalhe importante, se você não não tem muita experiência com computadores não invente de mexer nas opções de energia do Mac OS 8.1! 🙂

Infelizmente ainda não tive tempo pra explorar profundamente esse iMac do jeito que ele merece. Mas tenho planos pra ele. O mais urgente é retirar o velho hdd original e substituí-lo por um ssd. Depois instalar o Mac OS 9.2.2, mais estável e preparado para a internet que o 8.1.

Fiquei muito feliz com a aquisição desse iMac. É um mac icônico, simbólico da recuperação da Apple no final dos anos 90, e que se mantinha vivo na minha memória há 25 anos! Finalmente poder dizer que tenho um me deixou muito feliz. Além disso, encontrar um iMac nessas condições, com toda a história envolvida nele, foi algo especial. É uma capsula do tempo, de quase 20 kg e com 25 anos, que nos leva diretamente a uma época especial do design da Apple e da computação de maneira geral. Não é nenhum exagero afirmar que se temos uma Apple hoje, devemos isso em grande parte a esse iMac. Portanto, um brinde ao iMac G3, à Steve Jobs, Jony Ive e ao pedaço de “vidro de praia” azul esverdeado que alguém trouxe ao lab de design e inspirou a equipe para aplicar a cor “bondi-blue” no iMac.

2 comentários

  1. Olá amigo
    Cheguei até aqui por acaso.
    Li todo seu relato e senti nostalgia, apesar de eu ter nascido em 1994 e meu primeiro contato com computadores e videogame foi lá pra 1999 com 5 anos, fico pensando como seria ter nascido alguns anos antes e vivido melhor a expansão da tecnologia nos anos 90.
    Enfim, tenho um PowerMac G3 266mhz que uso até hoje pra acessar internet e baixar softwares pra testar nele. Também tenho um iBook G4. Ambos adquiri muitos anos após a lançamento original deles, mas lembro que queria na época e não podia, hoje tenho. Quanto tenho tempo, deixo o celular de lado e outras tecnologias atuais (tv OLED, PS5 etc) e fico jogando algo neles imaginando que é início dos anos 2000s novamente.

    • Que legal Juliano! Que bom que gostou do texto e ele te trouxe boas memórias. O PowerMac G3 é lindo. Lembro que quando fui nessa Fenasoft em 1999 estavam em exposição também junto com os iMacs. O iBook G4 é um baita notebook. Foi meu primeiro Mac “a serio”. O primeiro Mac que comprei foi um iBook G3 em 2006. Mas já era muito defasado, não tinha como usar. Mas serviu pra eu me apaixonar pelo Mac e não querer saber mais de PC. Alguns meses usando ele e comprei então um iBook G4 de 12″. Linda máquina e um avião na época! E isso era 2006, a Apple já havia migrado pra intel. Meu iBook G4 espancava os pc’s core duo dos meus colegas. rssrrs. Bons tempos. Obrigado pela visita e pela leitura. Espero que volte mais vezes! Abração.

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